Com menos crianças nas escolas e mais idosos precisando de cuidados, São Paulo busca um novo equilíbrio entre educação e saúde.
O governo de São Paulo, sob a liderança do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite flexibilizar até 5% da receita destinada à educação para investimentos na saúde. A proposta visa ajustar a distribuição orçamentária entre essas áreas fundamentais, respondendo a mudanças demográficas que indicam uma redução progressiva no número de alunos na rede estadual e, ao mesmo tempo, uma demanda crescente por serviços de saúde devido ao envelhecimento da população.
Atualmente, a Constituição Estadual estabelece um repasse mínimo de 30% do orçamento para a educação, percentual superior ao exigido pela Constituição Federal, que determina um mínimo de 25%. O projeto, se aprovado, permitirá que o excedente de 5% seja redistribuído entre saúde e educação, conforme a necessidade de cada área. O tema, entretanto, dividiu opiniões e provocou reações de parlamentares, especialistas e manifestantes.
Entendendo o propósito da PEC da Saúde
A justificativa do governo paulista para a PEC está centrada em tendências populacionais e nas crescentes demandas de saúde. Conforme apontado pelo secretário de Saúde do Estado, Eleuses Paiva, o envelhecimento da população requer um investimento adicional em serviços médicos especializados para idosos, como hospitais de longa permanência, clínicas geriátricas e atendimento para doenças crônicas. “Essa mudança permitirá fortalecer o sistema de saúde para oferecer um atendimento de qualidade, com menos filas e acesso a tratamentos avançados”, argumenta Paiva.
Além disso, o governador Tarcísio de Freitas destaca que a PEC visa equilibrar os investimentos, considerando que a redução do número médio de filhos por família e o envelhecimento populacional estão diminuindo a demanda por matrículas escolares, enquanto a pressão sobre a infraestrutura de saúde cresce. Segundo ele, a redistribuição é uma resposta necessária à mudança nas necessidades da sociedade: “Nos próximos anos, teremos menos crianças nas escolas e mais idosos que necessitam de cuidados específicos. A PEC dá flexibilidade para alocar recursos conforme a demanda, assegurando o atendimento em ambas as áreas”, disse o governador em uma entrevista.
As críticas à flexibilização do orçamento
Embora o governo afirme que a PEC não implicará em cortes na educação e que o valor obrigatório de investimento na área permanecerá dentro do mínimo constitucional de 25%, críticos da proposta temem que a medida possa impactar negativamente o sistema educacional. Deputados da oposição, como Carlos Gianazzi (PSOL), consideram a PEC uma “afronta à Constituição Estadual”, argumentando que o percentual de 30% foi uma conquista histórica da Constituinte Estadual de 1989. “A proposta vai retirar mais de R$ 11 bilhões do orçamento da educação, enfraquecendo uma área já carente de investimentos”, aponta Gianazzi.
Especialistas em educação também expressam preocupação sobre a possibilidade de que essa mudança impacte diretamente a qualidade do ensino público estadual. Segundo eles, os recursos adicionais de 5% têm sido importantes para financiar melhorias em infraestrutura escolar, formação de professores e até programas de alimentação escolar. Esse argumento é fortalecido por um histórico recente de investimentos significativos na educação estadual, que teria aumentado em quase R$ 3 bilhões entre 2023 e 2024, como destacou o secretário-executivo da Educação, Vinícius Neiva. “Os recursos estão sendo bem aproveitados. Não queremos comprometer o futuro educacional do estado em troca de ganhos momentâneos na saúde”, afirma Neiva.
Um novo equilíbrio para as necessidades da população
A PEC da Saúde, contudo, surge em um contexto de transformações demográficas que demandam adaptações orçamentárias no longo prazo. Dados apontam que o número de matrículas na rede estadual diminuiu em cerca de 15% nos últimos anos. Em 2015, aproximadamente 3,8 milhões de alunos estavam matriculados, enquanto em 2024 esse número caiu para 3,3 milhões. Com as famílias menores, a demanda por vagas escolares tende a reduzir, enquanto o número de idosos e a complexidade de seus tratamentos cresce, aumentando a pressão sobre o sistema de saúde público.
A secretária de Planejamento e Fazenda ressalta que a PEC não implica em cortes diretos para a educação, mas sim em uma flexibilização estratégica, ajustada conforme a arrecadação estadual e as necessidades da população. “Nos anos em que houver aumento expressivo na receita, até 5% do orçamento educacional poderá ser redirecionado para saúde, mas sempre mantendo um mínimo de 25% garantido pela Constituição Federal”, destaca a pasta em nota.
Essa proposta pretende atender tanto ao compromisso com a educação quanto à exigência por um sistema de saúde mais robusto. A possibilidade de redirecionamento do orçamento pretende justamente criar uma resposta financeira rápida, de modo que a gestão estadual possa enfrentar crises pontuais na saúde sem comprometer o sistema educacional.
O próximo passo
A PEC, atualmente em discussão na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), deve passar por votação em breve. Para ser aprovada, precisa receber votos favoráveis de pelo menos 57 dos 94 deputados. A proposta já recebeu apoio da base governista e deve passar por uma audiência pública antes da votação final, marcada para 13 de novembro.
O debate entre saúde e educação é emblemático de como os governos estaduais precisarão cada vez mais equilibrar suas políticas públicas com base nas mudanças da sociedade. À medida que a expectativa de vida aumenta e o número de matrículas diminui, propostas como a PEC da Saúde podem abrir novas possibilidades para uma gestão orçamentária mais adaptável e eficiente, que responde às necessidades de cada geração.
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